terça-feira, 19 de junho de 2012

Mentes brilhantes



Pelágio era um monge inglês, possivelmente de origem irlandesa. Seu ensino baseava-se no fato de que sendo Deus o Criador do homem, conhecia sua limitações e por isso tinha o homem certo domínio sobre a situação de sua própria vida e o pecado cometido sempre teria um explicação. Henry Bettenson em Documentos da Igreja Cristã, refere-se ao ensino de Pelágio nas seguintes palavras:

"Em vez de considerar como privilégio os mandamentos de nosso Rei, ... bradamos a Deus, na indolência de nossos corações: Isto é difícil e duro demais. Não podemos fazê-lo. Não passamos de pobres homens dominados pela fraqueza da carne. (...) Imputamos a Deus onisciente a culpa de ser duas vezes ignorante: de ignorar sua própria criação e de ignorar seus próprios mandamentos. Como se Deus, esquecido da fraqueza dos homens, que são obra sua, lhes impusesse mandamentos a que não podem obedecer. (...) Ninguém conhece o tamanho de nossa força melhor do que Aquele que nos deu tal força, pois Ele é santo". (1998, p. 102).

Pelágio em sua teologia atribuiu a Deus, por ser o Criador do homem, a responsabilidade pelos atos impensados ou pecaminosos do homem, sendo que Deus conhece sua criatura vai entender, tirando assim a responsabilidade do homem de assumir seus atos e então e voltar-se a Deus. Discordando deste pensamento está Agostinho que vamos discorrer a seguir.

Agostinho nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste. Seu pai não era cristão, a mãe Mônica era uma cristã fervorosa. O jovem Agostinho era de espírito vivo, natureza emotiva, aluno indisciplinado. Era um homem dividido entre dois pendores: um apaixonado e sensual; o outro intelectual e sequioso pela verdade. Foi maniqueu durante nove anos, mais tarde entrou em contato com o neoplatonismo e via em Deus a fonte não só de todo o bem, mas de toda a realidade, e isso veio a permear todo o ensino dele, a aceitar o cristianismo, converteu-se no verão de 386.

Em Agostinho o primeiro pensamento a respeito de Deus era sempre o de uma relação pessoal com um ser, somente em quem o homem pode encontrar real satisfação.
Agostinho, após anos de dedicação, tinha uma posição bem definida sobre Deus e sobre a graça. Henry Bettenson em Documentos da Igreja Cristã, expõe o pensamento de Agostinho:

"O mais sério uso do Dom da liberdade deveria ser, portanto, que a vontade ardesse por unir-se a seu Autor e compartilhar da verdadeira luz, pois dAquele de quem se recebeu o ser também se pode conseguir a bem aventurança. Mas, se o caminho da verdade for escondido ao homem, o livre arbítrio apenas serve para o conduzir ao pecado... o amor de Deus derramado em nossos corações não pela livre escolha que nasce de nós mesmos, mas pelo Espírito Santo que nos foi outorgado". Rm. 5:5, (1998, p. 105).

Agostinho definia a Graça assim:

"Graça Previniente são as vontades humanas que são prevenidas pela graça de Deus e, portanto, é Deus quem faz agora desejar o bem que antes rejeitavam; a graça irresistível, a salvação, uma vez concedida a quem dela carecia, para sempre está salvo.... O primeiro homem foi criado em estado de justiça e bondade, recebeu responsabilidade de não pecar (posse no pecare), de não morrer (posse non mori), de não decair do estado de justiça" (posse no cadere). (1998, p. 105).

No caso dos predestinados ao reino de Deus pela graça divina, a ajuda concedida para que perseverassem não foi aquela dada a Adão, mas uma ajuda especial levando o homem à perseverança de fato, sendo de tal maneira forte e eficaz que os santos não podiam fazer outra coisa, senão perseverar até o fim.

Essas são as proposições que se encontram na doutrina de Celéstio, discípulo de Pelágio, segundo Agostinho, comentadas por Bettenson: 1) Adão foi criado mortal e teria morrido com pecado ou sem pecado; 2) O pecado de Adão prejudicou somente a ele, e não à estirpe humana; 3) A lei conduz ao reino tão bem quanto o evangelho; 4) Houve homens sem pecado antes da vinda de Cristo; 5) As crianças recém-nascidas estão nas mesmas condições de Adão antes da queda; 6) Não é através da queda ou morte de Adão que morre toda a raça humana, nem é através da ressurreição de Cristo que ela ressurgirá. (1998, p. 102).

Paul Tillich, em sua obra, História do Pensamento Cristão, faz uma abordagem sobre a controvérsia entre Agostinho e Pelágio. O conflito entre estes teólogos foi uma dos maiores da Igreja, comparável às controvérsias trinitárias e cristológicas. É a decisiva relação entre ética e religião, o que está em jogo nesta controvérsia é se o imperativo moral depende da graça divina para se realizar ou se a graça divina depende da realização do imperativo moral. Baseado que o homem em si mesmo não pode ter solução por causa de sua fragilidade humana e espiritual, entendemos que o imperativo moral depende da graça para se realizar, pois a graça significa aquele recurso divino, sem o qual o homem seria perdido eternamente.

Para Pelágio, a morte não é um evento natural, mas resultado da queda, que o pecado de Adão é apenas de Adão, não pertence a raça humana; não existe pecado original, pois se existisse, transformaria o homem em categoria natural, sendo que é um ser moral. Todas as crianças quando nascem, nascem inocentes. Ele queria evitar a idéia da hereditariedade do pecado, para que o pecado não fosse uma necessidade universalmente trágica, mas questão de liberdade.

Na visão de Pelágio diante de tais questões a função de Cristo resume-se em apenas duas vias: 1). Conceder perdão dos pecados no batismo aos que crêem; 2). E através da ascese, de uma vida isolada, afastada de todos, pode-se viver sem pecado. Concluímos que a graça nada significa, porque a partir daí o homem é capaz da fazer tudo por si mesmo.

Agostinho, todavia, renega as idéias de Pelágio, pois acreditava que Adão tinha liberdade de não cair, de não morrer, de não dar as costas para o bem, estava em paz consigo mesmo, porém Adão caiu. Entendia que o pecado é desde o começo, pecado espiritual. O homem queria estar em si mesmo, ser o dono de tudo isso, voltou-se contra Deus e perdeu então a assistência da graça.

Quanto ao pecado de Adão era original: primeiro porque todos nós existíamos potencialmente em Adão, no seu poder criador e assim todos somos culpados. Em segundo lugar, introduziu o desejo no processo da geração sexual, todos somos nascidos do mal desejo sexual. Todos pertencem à massa da perdição, ninguém se salva, a não ser por um ato especial de Deus.

O homem perdeu a chance de voltar-se para Deus por causa de sua pecaminosidade universal. Concluímos nesta parte que a graça, é antes de tudo, dada ao homem sem mérito algum, dada por Deus a quem ele escolher. Não há razão no homem para ele ser escolhido por Deus ou rejeitado. a razão está apenas em Deus. (1988, p. 121-127).

Cirilo Folch Gomes em seu livro Antologia dos Santos Padres, escreveu a respeito do que Agostinho pensava sobre a graça:
"Sim, a graça de Deus, dada por Jesus Cristo nosso Senhor, deve ser bem compreendida; só por ela os homens são libertados do mal, e sem ela não fazem absolutamente qualquer bem, seja por pensamento, seja pela vontade ou pelo amor, seja pela ação. Ela não é somente uma indicação que lhes dá a conhecer o que convém, mas um auxílio que lhes dá a realizar com o coração o que conhecem". (1979, p. 343).

Estamos diante de um paradoxo, onde o primeiro defende que o pecado de Adão em nada interfere em nossa vida e portanto, meus atos é que me farão um pecador. A minha liberdade de escolha é um trunfo humano, o que reduz a obra de Cristo, a graça de Deus, como importante, mas não indispensável.

E quanto a esta posição, o Concílio de Cartago julgou Pelágio como herético, e nossa posição não pode ser diferente, sendo que qualquer teólogo que considere a obra graciosa de Cristo como dispensável é insensato e está colocando sobre o homem um poder que não lhe pertence.

Já o segundo, tira do homem toda e qualquer responsabilidade. O homem é alcançado pela graça irresistível, suas obras em nada mudarão sua realidade de homem caído. É uma situação norteadora à respeito de nossa situação, pois se analisarmos quem é o homem, o que pode fazer por si mesmo, chegaremos a uma conclusão bastante desesperadora. É certo que Deus tem feito tudo pelo homem, e a este cabe uma responsabilidade a de obediência a tudo que está em seu coração, já colocado de antemão pelo próprio Deus.

Consideramos interessante comentar a afirmação de Carson que traz uma explicação conclusiva. Carson afirma que há uma compatibilidade entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana, a primeira não diminui a segunda e a segunda jamais deve tornar-se um fator de negação da primeira tornando Deus absolutamente contingente, ambas são verdades ensinadas pelas Escrituras e mutuamente compatíveis. O caso de José e seu irmãos, Gn. 50:19 e 20 segundo ele mesmo disse, é um bom exemplo desta compatibilidade. Em Isaías no capítulo 10 mostra que Deus disciplina seu povo sem reduzir a responsabilidade deles.

A eleição, um elemento bíblico da soberania, não destrói a responsabilidade humana, produz humildade, Rm. 9; e encoraja o evangelismo, Atos 18:9 e 10. O melhor exemplo disso é a cristologia. O maior erro de ênfase da vontade humana é transformar Deus num ser contigente e a idéia da compatibilidade contorna este problema. (Carson in Schreimer, 1995, p. 407-411)

Graça Incriada, Criada e Gratuita – Tomás de Aquino

Tomás de Aquino nasceu em 1225 na localidade de Aquino, no reino de Nápoles, foi chamado o “Doutor Universal e Princípe da Escolástica”. Contra a vontade da família, o conde de Aquino, seu filho entrou para a ordem dos monges dominicanos.

Quando ainda estudante era muito calado razão que lhe deram o apelido de boi mudo mas, seu mestre Alberto Magno dizia que um dia esse boi encherá o mundo com seus mugidos. E de fato mais tarde foi chamado de “Príncipe da Escolástica”, foi a autoridade mais célebre do período medieval. Morreu em 1274. (HURLBUT, 1990, P. 135-136).

Bengt Hagglund em seu livro História da Teologia, faz uma análise sobre a doutrina da graça na alta Escolástica. Neste tempo da história da Igreja a resposta para a justificação e salvação do homem era proposta pelos Franciscanos que elaboraram um “ordo salutis”.

Tinham uma tendência semipelagiana e enfatizavam as idéias de méritos e recompensa. Atribuíam maior significado aos sacramentos como agentes da graça. Distinguiam mais entre operações naturais e sobrenaturais da graça, o que resultou num conceito de graça em que o homem pode ser elevado acima do nível da natureza.
Conceituavam graça da seguinte maneira: 1) Graça Incriada (gratia increata), aquela que vem ao homem como dádiva; 2) Graça Criada ( gratia creata), também chamada graça infusa que realiza a justificação e produz boas obras; 3) Graça Gratuita (gratia gratis data), a graça dada livremente ao homem sem a questão do mérito.

E esta prepara para o recebimento da graça mais elevada: a fé, arrependimento, temor e esperança.Para os Franciscanos os dons dados gratuitamente ao homem por Deus se relacionam exclusivamente com a esfera natural, e o que o homem faz com suas próprias forças para receber a graça, constituem um mérito proporcional. Concebiam a graça como Dom sobrenatural que eleva a natureza humana a um nível superior.

Tomás de Aquino discordando um pouco desta posição trouxe algumas alterações. Enfatizou a prioridade da graça em relação ao livre arbítrio do homem, e rejeitou a forte psicologização que era característica franciscana. Via o homem como incapaz em suas forças para preparar-se para receber a graça, não pode tomar a iniciativa para criar a fé, pois o início da fé vem junto com a graça.

A justificação é obra sobrenatural que só será alcançada mediante a virtude da graça infusa.Williston Walker em História da Igreja, elucida o pensamento de Tomás de Aquino no seu conceito de Deus:

"Deus de nada necessita, daí a criação do mundo ser conseqüência do amor divino, que Ele asperge sobre os seres a que deu vida. A providência de Deus se estende a todos os fatos e se manifesta na predestinação de alguns para a vida eterna, deixando outros entregues aos resultados do pecado na eterna perdição". (1981, p. 346).

Segundo seu pensamento, a restauração do homem só é possível mediante a livre e imerecida graça de Deus, pela qual aquele dom especial é restaurado na natureza humana, seus pecados são perdoados, e sua comunhão é restabelecida e ação alguma pode obter esta graça.

Tomás também formulou uma teoria onde entendia que os sacramentos eram como instrumentos para a comunicação da graça, que a graça está fisicamente incluída neles. Assim os sacramentos são no sentido real a causa dessa comunicação.
Tomás de Aquino rejeitou o pensamento dos franciscanos pois faziam uma análise a partir de seu conhecimento empírico dos sentimentos de outrem, ou seja a psicologização.

Sua ênfase nos méritos iam totalmente contra a incapacidade do homem de fazer por si mesmo, eles exaltavam o homem a uma posição elevada, que na opinião de Aquino era irreal. Mesmo entendendo o amor divino ele cai num erro de interpretação, achando que os sacramentos tinham valor em si, independente da fé nas promessas, que os sacramentos eram os canais definidos para a graça se manifestar, o que não deixa de ser um grande equívoco.

Shalon !!!

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