sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Terceira pessoa

 

Como seres humanos, somos limitados na compreensão de alguns assuntos bíblicos. Um desses assuntos é, sem dúvida, a doutrina da Trindade. Sempre existiram pessoas que não concordaram com esse ensinamento e, nos últimos anos, essa crença tem sido desafiada por diversos cristãos, inclusive adventistas. Para esses indivíduos, o Espírito Santo é mera energia e não possui nada que possa caracterizá-Lo como divino. Vários periódicos adventistas (Revista Adventista, Ministério, etc.) publicaram, recentemente, diversos artigos sobre o Espírito Santo no Antigo e no Novo Testamento.[1] O presente artigo explorará um texto não muito utilizado na abordagem desse tema. Trata-se de Gênesis 1:2. Nosso foco, nessa passagem, estará na última parte do verso: “...e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.”

Nosso estudo está dividido em duas partes: (1) Seria o Espírito de Deus o próprio Deus? (2) Seria o Espírito de Deus uma pessoa? Logo após essas duas sessões, faremos algumas considerações finais.

Seria o Espírito de Deus o próprio Deus?

O livro de Gênesis foi originalmente escrito em hebraico, e traduzir uma língua assim nem sempre é tão simples. A expressão de Gênesis 1:2, ruach ‘Elohim, que na maioria das Bíblias aparece como “Espírito de Deus”, foi traduzida em outras versões como “um forte vento” ou “um vento da parte de Deus espalhava-se por sobre as águas”. Essas duas versões, como se pode notar, tendem a considerar o “Espírito” como uma força inanimada ou um sopro de Deus e não uma pessoa da Divindade, conforme propõe a doutrina da Trindade. Estaria isso correto?

De fato, a palavra ruach, se estiver sozinha, pode significar tanto vento quanto espírito. Nesse caso, é o contexto que definirá a melhor tradução. Mas lembre-se de que aqui ela não está sozinha, e sim acompanhada de ‘Elohim que quer dizer Deus. Ora, das 24 ocorrências de ruach ‘Elohim na Bíblia Sagrada, nenhuma é traduzida por “vento forte” ou “vento da parte de Deus”. Por que essa seria? Como se vê, o texto de Gênesis está falando de algo mais profundo do que simplesmente um vento descontrolado. Trata-se do Espírito Santo de Deus![2]

Mas qual é o significado da expressão “Espírito de Deus”? A leitura isolada do texto de Gênesis não nos esclarece muito. No entanto, quando comparada com outras partes da Bíblia que falam a respeito da Criação, nossa compreensão é ampliada. Para encontrarmos a resposta a essa pergunta, veremos outras duas passagens: Salmo 104 e Jó 33.

Todo o salmo 104 é um hino de louvor a Deus baseado no relato da Criação de Gênesis 1. No verso 30, lemos: “Envias o Teu Espírito, eles são criados.” Ao que parece, a criação só foi possível a partir da atuação do Espírito. Esse texto não é o único que apresenta o poder criador do Espírito Santo. O mesmo ocorre com Jó 33. Vejamos:

Eliú, um dos amigos de Jó, disse: “O Espírito de Deus me fez; e o Sopro do Todo-Poderoso me dá vida” (Jó 33:4). O uso do verbo “fazer” (‘asah) nesse texto nos leva diretamente para o momento em que Deus “formou” (‘asah) o homem do pó da terra (Gn 2:7). Para aqueles que sugerem a inexistência do Espírito Santo na Criação, esses textos revelam claramente que Ele teve participação ativa nesse evento.

O ensinamento de Gênesis 1:2 não é outro senão o Fôlego vindo de Deus como o começo da vida. Ele é um instrumento da criação e também é divino, já que é capaz de criar.

Seria o Espírito de Deus uma pessoa?

A evidência bíblica para a personalidade do Espírito de Deus está no uso do verbo hebraico rahap (pairar, plainar, voar). Esse é um verbo raro nas páginas do Antigo Testamento. Além do texto de Gênesis, rahap também foi utilizado em Deuteronômio 32:11, onde o autor bíblico ilustra o cuidado de Deus com Seu povo no deserto como o de uma águia que paira (rahap) sobre seu ninho, dando assim a ideia de proteção.

Para nos aprofundarmos no conhecimento desse verbo, faremos o uso de um antigo idioma que apresenta muitas semelhanças com o idioma do Antigo Testamento. Trata-se do ugarítico, conhecido a partir de 1929, com o início das escavações na antiga cidade de Ugarite, atual norte da Síria.

Até o momento da descoberta da língua ugarítica, diversas palavras e expressões hebraicas eram difíceis de ser compreendidas. A partir das traduções dos textos ugaríticos, muitas das dificuldades bíblicas foram solucionadas.

A relevância disso para nosso estudo é que em todos os textos ugaríticos disponíveis até o momento rahap sempre está relacionado com pássaros, mais especificamente águias. A importância disso é que esse verbo descreve a atitude de um ser vivo e não uma força ou energia.[3] Esses documentos arqueológicos com mais de três mil anos sugerem uma profunda descoberta bíblica: a ação do Espírito de Deus em Gênesis 1:2 é uma atividade executada por um Ser vivo que “paira” como um pássaro sobre a Terra criada.[4]

Indo além e observando rahap em outras línguas antigas, podemos apreciar melhor a beleza dessa passagem bíblica. Em siríaco, por exemplo, rahep significa “geração”. Já no árabe antigo a ideia é de estar suspenso e abrir de asas, transmitindo assim um sentido de proteção e cuidado de um pássaro com seu ninho.[5]

Quem sabe seja por esse motivo que o Espírito Santo escolheu uma ave (pomba) para Se manifestar por ocasião do batismo de Jesus Cristo (cf. Lc 3:22).

Podemos resumir todas essas informações provindas desses idiomas em uma única frase: um Ser vivo gerando vida e protegendo Sua criação! Este é o sentido do verbo “pairar” em Gênesis 1:2: uma atividade criadora e, ao mesmo tempo, protetora.

Considerações finais

Para aqueles que questionam a aparente ausência do Espírito Santo na criação do mundo, Gênesis 1:2 apresenta uma poderosa resposta. Podemos encontrar nesse texto, de forma embrionária, elementos sobre a divindade e personalidade desse Ser que foram ampliados no Novo Testamento.

Tão importante quanto as informações acima é exatamente o que elas significam para o cristão no século 21. Assim como a Terra “sem forma e vazia” foi transformada graças à atuação do Espírito de Deus, o mesmo pode ocorrer com pessoas marcadas por um vazio existencial. Para modificar esse quadro, por que não experimentar hoje o pairar do Espírito de Deus em nossa vida?


shalon!!!

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