sábado, 1 de junho de 2013

O que há de errado nisso?

O ser humano é um posso de desejos,que quanto mais se passa os tempos mais se inventa para poder sobreviver. 
Se você sentiu, ultimamente, significativo aumento de mal estar em relação ao mundo, não se culpe, há muita gente na mesma situação, embora ninguém goste de ficar do lado dos perdedores. Só que neste caso até os vencedores vêm se sentindo também perdedores. Você ganha algum dinheiro, viaja de férias, compra coisas do último tipo e o incômodo continua crescente: a terrível, assustadora e miserável... falta de sentido.
 
É arriscado dizer, mas talvez estejamos atravessando a maior ruptura psíquica do ser humano, em todos os tempos: a possibilidade de não haver outras verdades – que viemos criando e acreditando desde que o mundo é mundo - a serem colocadas no lugar das que atualmente se desmoronam.
 
Não é justamente essa a grande questão? O que colocar no lugar das diretrizes que davam algum sentido à vida, quando sabemos, de uma vez por todas, que qualquer sentido, para existir, tem e teve que ser inventado? Desde um simples conceito de que “deus ajuda a quem cedo madruga”, à ideia de que o consumo é algo bom, o futuro é a salvação, o capitalismo é vontade de deus, ou mesmo a crença de que o bem sempre tende a vencer, ou 2013 é o ano da cura, isso tudo foi e continua sendo incutido em nossas cabeças ao longo dos tempos e, simplesmente, não é verdade. Agora ficou claro. O engraçado é que Hannah Arendt já dizia, em meados do século XX, que o grande erro de Kant, Nietzsche e Kierkgaard, ao colocarem abaixo as “verdades sagradas”, cada um a sua maneira, foi justamente tentar colocar outras verdades no lugar.
 
Começa, no entanto, uma nova era da humanidade: os significados estão abertos, perderam o status de verdade absoluta e, para o desconforto de muitos, podem continuar assim por muito tempo. Uma coisa é atravessar determinado período histórico em que algumas pautas e valores se sobrepõem a outros. Mas agora, uma camada da população percebe que os símbolos são apenas invenções humanas (e não proveniente de deuses) e essa brincadeira está perdendo a graça. Talvez tenha sido um problema da lógica. A lógica, a princípio, é o que nos fez sair em busca de um sentido. E mentiu, quis explicar, manipular e inventou coisas onde não havia. Mais que isso, foi usada sorrateiramente para esse fim, o tempo todo.
 
Bem, está na hora de virar esse jogo. Mas como? Ainda há algo em que se acreditar? Sim, felizmente há, em duas palavrinhas mágicas: criação e afeto. Porque, no fim das contas, são as únicas verdades que temos. Até o conceito de amor é uma idealização. Dá para dizer que o sentimento de uma mãe por seu filho está na mesma categoria do sentimento que se dá entre casais? O conceito de afeto, portanto, tende a ser menos enganador.
 
A palavra criação já é mais exata, compreende em si seu significado todo. Criação é tudo isso que inventamos e acreditamos, embora talvez devêssemos apenas vivenciar em vez de ter como regra: música, moral, esportes, bom e ruim, moda, modismos, histórias, história, ciências, produtos, valores, mídia, consumo, castigo, progresso, amor, certo e errado, Deus, livre natalidade. Afeto é o que sentimos, acreditando ou não nessas invenções.
 
Ora, o que nos dói, bem sabemos, são as expectativas não cumpridas de nossas crenças. Então, por que depositamos esperança em coisas sem esperança, a não ser para a satisfação temporária de nossa preguiça?

Da criação e do afeto, todavia, podemos esperar algo: que eles sejam enquanto são. E, ironicamente, a arte - que compreende essas duas coisas - pode vir a ser num futuro não tão distante um dos únicos baluartes da verdade humana. Uma obra-prima pode conservar sua verdade e manter seu sentido por milênios a fio, às vezes muito mais do que conceitos lógicos e valores sagrados. Quem diria?
 
O que nos leva a um novo desafio diante de nossa preguiça: nada está pronto, nunca esteve, nunca estará e jamais descansaremos, até a morte. E não estamos construindo algo em nossas vidas, apenas transformando, criando e nos afetando, perpetuamente.
 
O que há de errado nisso? Digam-me os preguiçosos.

Shalon !!!

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