“existe o perigo de romantizarmos a igreja primitiva, falando dela em tom solene, como se não tivesse falhas. Isso significa fechar os olhos diante das rivalidades, hipocrisias, imoralidades e heresias que atormentavam a igreja, como acontece ainda agora” [1]. Quantos de nós temos visto a Igreja Primitiva como o maior exemplo a ser seguido.
A impressão que temos é que não havia problemas entre eles, principalmente quando lemos Atos 2.42-47, mas estudando mais a fundo o livro de Atos, as cartas Paulinas tanto quanto as cartas universais, encontramos uma igreja lutando contra o pecado (Cl 3.5-11), contra falsos mestres (Gl 3.1-3; Tt 1.10,11), heresias das mais diversas (1Tm 6.3-5), lutas internas (1Co 1.11-13), apostasia (1Tm 4.1).
Cerca de sessenta anos após a Igreja ter sido
inaugurada em Jerusalém no dia de Pentecostes, encontramos o apóstolo João na
Ilha de Patmos tendo a revelação do Apocalipse e recebendo uma ordem direta de
Jesus para escrever às sete igrejas da Ásia mostrando o quanto a igreja havia se
afastado da sã doutrina (Ap 1.9-11). E o que o apóstolo João escreveu naquela
época serve de alerta para todos nós nos dias de hoje, pois a igreja não mudou.
É bom lembrar que antes de Jesus manifestar Seu
juízo ao mundo, Ele irá manifestar à Sua igreja, como nos fala Pedro em sua
primeira carta: “Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é
chegada; ora, se primeiro vem por nós, qual será o fim daqueles que não
obedecem ao evangelho de Deus?” (1Pe 4.17). Cristo não está no meio da
Igreja, mas Ele está andando em ação ‘’investigatória’’ no meio da Igreja. Ele
sonda a Igreja, pois seus olhos são como chama de fogo como vemos no livro do
Apocalipse.
Será que alguma coisa mudou de lá para cá? Creio
que não. Assim como a igreja do primeiro século enfrentou os seus hereges, hoje
nos estamos enfrentando os nossos. Hoje nós temos os nossos Hereges
Tupiniquins, com suas meias ungidas, seu apego a Mamom, suas superstições
típicas de povos primitivos sem conhecimento profundo do assunto e recorrendo a
explicações concretas e simplicistas de verdades espirituais profundas e
reveladas pelo Espírito Santo, de suas brigas santas entre si, como místicos na
disputa de mostrar-se mais santo e mais poderoso, fora os que estão surgindo e
os que em breve substituirão os atuais. Engana-se quem pensa que isso irá
acabar que eles serão extintos. Enquanto Jesus não vier buscar a Sua Igreja
essas hidras continuarão seduzindo e empedrando os seus ouvintes. Como disse
Paulo a Timóteo em sua segunda carta ao seu filho na fé: “Pois haverá tempo
em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres
segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se
recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”. (2Tm 4.3,4)
A igreja não é perfeita porque ela está cheia de
homens imperfeitos. Não quero dizer com isso que não devemos lutar contra o mal
que se instala ou tenta se instalar dentro dela, pelo contrário, devemos abrir
a nossa boca e alertar contra os falsos erros e falsos mestres que tem se
levantado dentro dela. O apóstolo Paulo deixa isso bem claro em sua carta a
Tito: “É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras,
ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1.11). Devemos agir
também como Judas que em sua carta alertou a igreja dos falsos pastores. Judas
em sua epístola diz que queria escrever a cerca da comum salvação, mas foi
forçado pelas circunstâncias escrever uma carta de alerta. Diz ele a respeito
dos falsos mestres que estavam se levantando dentro da igreja em sua época: “Estes,
porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que
compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se
corrompem. Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de
ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá.
Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade,
banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se
apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação
dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas ondas bravias
do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as
quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre”. (Jd 10-13).
Quer mais atualidade que isso?
Devido a essas e outras heresias desses falsos
mestres, muitas pessoas estão deixando a igreja. Algumas estão passando a
servir a Cristo em casa ou se reunindo em lares como se o problema estivesse na
instituição e não nas pessoas. Aí surgem os desigrejados, os destemplados…
Cada um com um termo diferente, mas que no fim é a mesma coisa. Eugene H.
Peterson nos diz que vivemos uma época em que se respira muito desse
anti-institucionalismo. “Amo Jesus, mas odeio a igreja” é um tema que fica
reaparecendo com variações em muitos contextos. Jesus dizia “siga-me”, e depois
dirigia seus seguidores a duas estruturas religiosas e institucionais
primordiais de seu tempo: a sinagoga e o templo. Nenhuma dessas instituições
era desprovida de deficiências, faltas e fracassos.
Creio que o problema maior que enfrentamos na
igreja brasileira seja o fato de sermos uma mistura de várias etnias e
religiões. Somos uma mistura de índios, portugueses e negros. Fora outros povos
que vieram para cá. Cada um com a sua religião, com seus hábitos. E nesse
caldeirão deu um povo místico, voltado para o espiritual sensorial e a igreja
evangélica não ficou de fora disso. Como disse Augustus Nicodemos Lopes: “somos
evangélicos moldados por uma argamassa meio católica, meio espírita e pouco ou
nada reformada”[3]. Essa é a razão porque aflora tanto misticismo
e tanto sincretismo religioso em nosso meio. Por isso temos o sal grosso, a
rosa ungida, água consagrada… As igrejas que não se vendem a esse sincretismo,
geralmente, são igrejas pequenas, mas voltadas para a sã doutrina, para um
evangelho puro e simples. Dificilmente você encontra um “desigrejado”
ou “destemplado” de igrejas sérias, a maioria das pessoas que se
revoltaram contra as instituições são pessoas decepcionadas com esse
sincretismo que tem levado muitas delas, e porque não dizer a maioria, ao
fracasso espiritual, pois se decepcionam com seus líderes, quando não saem
decepcionadas com Deus. Daí essas pessoas botarem todas as instituições no
mesmo saco e dizerem que são todas iguais. Não creio que vamos achar muito
apoio em Jesus para a preferência de nossos dias pela praça de alimentação dos
shoppings como lugar de culto em detrimento da Primeira Igreja Batista da
cidade, disse Eugene H. Peterson[4], questionando essa ideia que tem
aflorado o coração dos decepcionados.
Eu sei que não tem sido nada fácil para aqueles
que pregam a sã doutrina ouvirem tantas aberrações em nome de Cristo.
Principalmente por vermos tantas pessoas sendo enganadas e sendo levadas para o
matadouro desses espertalhões da fé. Mas quem disse que seria fácil? Quem disse
que não teríamos e viveríamos tempos trabalhosos? O apóstolo Paulo já havia
alertado a Timóteo, “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos
tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a
ensinos de demônios” (1Tm 4.1). Não é porque muitos têm abandonado o barco
que nós também o abandonaremos. Eu amo a Igreja e vou continuar lutando por
ela, as instituições não são perfeitas, mas também não é fora dela que
encontraremos a perfeição. Essa perfeição nós só encontraremos quando chegarmos
à Glória preparada para os eleitos antes da fundação do mundo.
Dois são os testemunhos;o da igreja primitiva e o da igreja atual.
1 (atual)'' Antes de conhecer a Cristo,eu só tinha um carro e pagava aluguél;agora os meus carros são importados e tenho duas casas, o Senhor me ensinou a prosperar''.
2 (primitiva) Antes eu tinha dois pães;agora que conheci a Cristo tenho um.o Senhor me ensinou a repartir''
Tanto a Igreja Primitiva quanto a Igreja de Hoje
são iguais em seus erros quanto nos acertos, e se chegamos até aqui é porque
até aqui nos ajudou o Senhor, pois sem Ele há muito tempo a Igreja já teria
afundado no lamaçal do pecado. No entanto é o Senhor quem sustenta a Sua Igreja
e nós fazemos parte dela, com seus erros e com seus acertos.
Eu quero concluir com uma palavra de Eugene H.
Peterson: “Quando Jesus diz “Segue-me” e seguimos, as pessoas vão continuar
a nos ver entrando em nossas igrejas e trabalhando para nossas organizações
missionárias. Mas elas não enxergam, e nós não enxergamos as imensas
invisibilidades em que estamos afundando nossas raízes, a infindável atmosfera
acima de nós, também invisível, da qual recebemos a luz da vida, nossa vida
estendendo-se, estendendo-se, estendendo-se até as profundidades, estendendo-se
através do horizonte, estendendo-se até as alturas”
Que a graça do Senhor continue sustentando a Sua
Igreja, fazendo-a criar raízes profundas e que os decepcionados com ela possam
se reencontrar em um lugar onde a sã doutrina seja pregada com amor e
dedicação. Esta é a minha oração. Este é o meu desejo.
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